outra noite, vi um carro. não sabia quem dirigia e, portanto, não sei qual era seu destino ou intenção. sei que era um carro de cor rosa pastel, um modelo de grife - custou ao proprietário, pelo menos, uns 500 mil. nas janelas, tinha um insulfilm preto opaco, não dava para enxergar nada do que estava dentro.

decidi, em meio a minha embriaguez e fome, que talvez quem estivesse dirigindo o carro não tinha a intenção de ser identificado, pois caso contrário, o insulfilm não seria tão escuro, e talvez o motorista, ao invés de dirigir seu carro de luxo rosa pastel, andaria de metrô ou trólebus.

na avenida, iluminada pelos postes e pelos letreiros e fachadas das lojas, fui invadida por ódio. em minha frente via apenas um cone e o carro rosa pastel, me imaginei estourando o vidro daquela máquina em quatro rodas momentos antes de tomar consciência. me lembrei do pino de cocaína em meu bolso. era só um pico da abstinência batendo em mim.

em um suspiro profundo, penso que aquele tipo de automóvel não deveria existir, pois ele vale mais que minha fome, meu álcool, meu pó, e minha vida.

o farol abre. o carro rosa pastel parte.